sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Sob a Marca do Dragão - Cap. 3 (parte 2 de 2)



Enquanto Rafael se debatia contra a escuridão que avançava na sua mente, Diana tinha hesitado na sua fuga. Sentia que algo estava errado. Sentia o seu dragão latejar de uma forma diferente. Não era um latejar mais fraco, mas mais lento. Pequenos flashes surgiam na sua mente e ela não percebia de onde vinham. Imagens que vinham e iam de uma rua, casas, gente ao fundo... Ela não percebia, mas pressentia que algo não estava bem com Rafael. Só podia ser por isso, nunca lhe tinha acontecido nada parecido. Ela avançava pela rua, procurando-o sem êxito. Sentia-se cada vez mais ansiosa. Rafael tornou a levantar-se e caminhou um pouco mais em direcção à rua principal, na direcção de Diana. Não sabia porquê, mas não podia investir as suas forças em pensamentos desnecessários naquele momento. Seguia o seu instinto. Não estava muito longe, viu a torre que antecipava a vista da saída da citadela.

Diana viu uma nova imagem na sua mente, desta vez uma torre. Parou. A torre era um pouco mais à frente. Correu. Pensou que aquela seria a vista da torre a partir da rua quase em frente a esta. Rapidamente chegou até lá. Um pouco mais à frente, Rafael tombava, cedendo à neblina e à escuridão.

- Rafael! O que se passa? O que tens?
Ele abriu os olhos, viu Diana por entre a neblina e esboçou um fraco sorriso. Voltou a fechá-los.
- Sossega... – ainda disse, antes de ceder por completo à noite escura.

Dificilmente sossegaria sem saber o que se passava. Mas já não estava assustada por si, estava preocupada com ele. Colocou a mão na face de Rafael: não lhe parecia estar quente, não parecia transpirar, tinha as cores normais, mas tinha perdido os sentidos. O que se passaria com ele? Não tinha dúvidas de que as imagens que tinha visto estavam a ser emitidas por ele. O que se passava consigo também? Não sabia o que pensar. A sua vida encontrava-se dentro dos limites do normal antes do seu caminho se cruzar com o dele. «Calma!» Pensava. «Tem sido muita informação, só estou a precisar de digeri-la! É só isso!»

Não passou muito tempo até que Diana sentiu o latejar do seu dragão acelerar o ritmo. Olhou para Rafael e viu-o abrir os olhos, finalmente despertando. Ela teve vontade de disparar uma série de perguntas, mas achou melhor esperar um pouco, dar-lhe tempo para se recompor. Ele levantou-se lentamente e ela imitou-o.

- Estás bem? – acabou por perguntar.
Parecia-lhe que ela não fazia a mínima ideia do que tinha acontecido. Ele sondava a sua mente, mas esta estava muito agitada.

- Sim, estou bem.
E não dizia mais nada. Ela continuou a olhá-lo e ele devolvia o seu olhar.

- O que aconteceu? – acabou por perguntar Diana, impaciente.
- O que aconteceu?! Tu aconteceste!
- Eu?! Não percebo!
- Usaste a magia contra mim!
- Eu?! Claro que não! Usar a magia como?! Nem sei o que aconteceu! Estava aflita, ouvi-te, mas não te encontrei... uma série de imagens estranhas à minha mente surgiram nos meus pensamentos...! Achei que algo de errado se passava contigo!... Encontrei-te, então, caído nesta rua!

Diana estava visivelmente agitada.

- Mas fizeste-o! Voltaste a usar a magia sem te aperceberes. Parece-me que precisas de aprender a controlá-la!
- O que é que aconteceu? Não fiz nada!
Diana dava cada vez mais sinais de inquietação.
- Tentei comunicar contigo, assustaste-te e enviaste energia na minha direcção, procurando bloquear-me. Não esperava! Apanhaste-me completamente desprevenido, num local onde era tudo menos seguro cair desacordado!

Diana olhou-o demoradamente. Ele parecia-lhe convicto do que dizia, mas ela nada tinha feito! Afastou o olhar, procurando rever os acontecimentos, os seus pensamentos, procurando descortinar algo mais. Rafael captava os seus pensamentos com facilidade, ela parecia-lhe demasiado agitada para sequer se lembrar de os bloquear. Recordava a voz na sua cabeça, sem o ver em volta, os rostos das pessoas, sentia-a assustada, um grito surdo... um grito! As nuvens a taparem a lua... noite cerrada sem luar! De onde vinham aquelas imagens?! Confusão. Diana olhou novamente Rafael nos olhos.

- Não sei o que aconteceu!... O que está a acontecer comigo?
- Pode ser que a magia esteja a despertar em ti... ou que nunca tenhas dado pela sua manifestação, sem a orientação de alguém que o percebesse... ou...

Rafael calou o seu pensamento. Ou o seu lado sombra estaria a despertar, pensava, reclamando a sua herança! Não! Ela estava deveras assustada, defendera-se instintivamente, tal como o tinha feito com os seus pensamentos da última vez que se tinham encontrado, pensava.

- Ou...? – perguntou Diana, estranhando a interrupção.
- ... ou algo mais que nos escape à razão.           

O rosto de uma jovem surgiu na sua mente. Era a rapariga que ela tinha deixado no seu lugar, na venda. Diana sentiu uma nova preocupação.

- Tenho de ir! – disse.
- Espera! Procuravas-me. Querias algo?

Diana não se lembrara mais do que a tinha levado até ali. Estava confusa. Rafael viu a imagem do dragão da lua surgir na sua mente, a lua reluzindo, seguiu-se a imagem do seu próprio rosto, do seu dragão, a imagem de ambos, próximos, a imagem de um dragão mudando de pouso para o braço de uma criança, o rosto de uma mulher com traços parecidos com os de Diana... as imagens rodopiavam na sua mente. Diana ainda estava assustada e agitada com todos os acontecimentos. Ele podia senti-lo de tal forma que teve de quebrar a ligação com a sua mente.

- Querias algo? – repetiu Rafael, procurando interromper o fluxo de pensamentos de Diana.
Ela lembrou-se uma vez mais de Dália.
- Noutra altura. Agora devo ir. Desculpa... por qualquer coisa que possa ter feito! Não foi minha intenção... Até depois!

E saiu apressada, quase correndo até à praça, onde a sua irmã a esperava.

Diana percebeu ao chegar que, pela sua cara, Dália estava pronta a dar-lhe um raspanete pela demora, mas assim que viu a sua agitação pareceu esquecê-lo.

- O que aconteceu? Estás bem?
- Estou. Desculpa. Acompanho-te na entrega e na volta a casa. Ajudas-me a recolher a fruta nos cestos?
- Sim, claro! Mas o que aconteceu que te deixou tão perturbada?
- Depois, Dália! Agora ajuda-me!

Diana seguiu calada, pensativa, todo o caminho. Ela agradecia o silêncio de Dália e a paciência que esta havia aprendido a ter quando queria arrancar-lhe alguma confidência. Ao chegar a casa, Diana e Dália rapidamente arranjaram maneira de sair juntas até onde pudessem conversar descansadas. Foram até atrás da casa, apanhar alguma roupa que secava no estendal. Dália fazia questão de olhá-la nos olhos, como que dizendo «estou à espera!».

- Encontrei alguém que tem uma marca como a minha...
- Deveras?! Disse-te o que significa?
- Que representa a magia do dragão da lua.

Dália levava as mãos à boca, que se abria surpreendida naquilo que parecia ser um misto de entusiasmo e medo pela confirmação de que ela teria de manter escondida aquela marca pela sua segurança.
- E a dele representa a magia do dragão do sol.
- Ele?! – disse a sua irmã ameaçando um sorriso.

Diana ignorou a provocação.
- E o que aconteceu para estares tão perturbada quando voltaste?
- Têm-se passado coisas estranhas... Quando estou perto de Rafael – é o seu nome – sinto o dragão latejar na minha pele. Ele diz que os dragões despertam quando se aproximam uns dos outros...
- Há mais?! – perguntou Dália empolgada.
- Parece que sim. E quando fui encontrá-lo hoje, ouvi a sua voz na minha mente, mas não o vi em lado nenhum. Assustei-me e... não sei o que aconteceu, mas ele diz que, para me proteger, fiz com que ele caísse desacordado. Juro que não sei o que aconteceu! Não sei o que pensar!...
- Que há magia em ti! Se ao menos tivesses alguém do teu sangue a quem pudesses perguntar… pedir orientação...!
- Sim... mas não tenho...
- E se falares com o nosso pai? Pode ser que possa dizer-te algo mais...
- Se lhe contar o que me está a acontecer, é bem capaz de me mandar para longe! Ele nada quer que tenha a ver com magia perto dele. Nunca percebi muito bem…!
- Pergunta-lhe apenas sobre o teu passado, a tua família de sangue... Não lhe contes nada disto!
- Temo que não seja um assunto do seu agrado, mesmo após tantos anos.
- Que mal poderá fazer? Pergunta e logo saberás!
- Talvez...

Diana voltara a pensar no dragão do sol.
- Sabes que ele consegue esconder o seu dragão? Quer dizer, fazê-lo desaparecer!...
- Desaparecer da pele?
- Sim... ele tem o dragão tatuado em parte da sua face e pescoço – pior do que o meu para esconder! E consegue fazer com que ele desapareça e apareça na sua pele!
- Será que também podes fazer o mesmo? Isso era fantástico! Seria mais seguro! Esconder essa marca de um marido não é fácil! Acho que esse é o forte motivo pelo qual o nosso pai ainda não te obrigou a desposar alguém!
- Então mesmo que possa aprender a fazê-lo, nada podes dizer, pois ainda não é de minha vontade desposar quem quer que seja! – disse, mostrando-se um pouco irritada.
- E... é bem parecido, Rafael? – perguntou Dália, colocando uma expressão inocente na sua cara.

Diana olhou-a nos olhos e acabou por rir.
- És incorrigível, maninha!

Dália era mais nova que Diana e, com as suas 15 primaveras, já pensava em constituir família. Determinada a encontrar um bom partido para ela e para a sua irmã mais velha, não perdia uma oportunidade para tentar fazê-la interessar-se por alguém. Diana irritava-se muitas vezes com este ímpeto da sua irmã, no que tocava à sua pessoa, mas já se havia habituado aos seus devaneios e não conseguia evitar de se sentir agradada ao vê-la sonhar com um rumo para a sua própria vida.

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