sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Sob a Marca do Dragão - Cap. 3 (parte 1 de 2)

fotografia de
Sofia Morgado



No dia seguinte, Diana estava na venda de fruta, sentindo-se inquieta. Queria que Rafael aparecesse para lhe contar o seu sonho e saber se poderia ter algo a ver com o dragão ou se seria apenas a sua mente a pregar-lhe partidas. Tinha-lhe parecido tão real! E se as coisas se tivessem passado como no seu sonho? A sua mãe dizia correrem perigo e temer pela sua vida. De que falaria ela? Talvez a mulher que a criara soubesse de algo, mas também já não podia perguntar-lhe. E o seu pai de criação? Era melhor nem pensar nisso! Era de poucas falas e sempre fora avesso a conversas que tivessem a ver com a sua família de origem. O que a sua mãe dissera no sonho fazia-a crer que poderia ter algo a ver com o seu dragão. Se assim fosse, seria mais um motivo para o considerar uma maldição, que inclusive a tinha levado a ficar sem os seus pais. Tantos pensamentos cruzavam a sua mente que não conseguia concentrar-se naquilo que fazia. Voltou a lembrar-se de Rafael. Pensou como lhe daria jeito que a sua irmã ali estivesse para tomar conta da venda. Queria procurá-lo, contar-lhe o que acontecera. Tinha tantas coisas para lhe perguntar! Qual seria a sua história? Como teria recebido ele o seu dragão? Procurava vê-lo em cada rosto, mas nem sombra daquele misterioso homem. A sua mente dizia-lhe que não podia confiar nele, mas algures em si sentia que sim. «Tudo a seu tempo», forçava-se ela a recordar. «Quando menos esperar ele aparece», procurava ela convencer-se, voltando uma vez mais a sua atenção à fruta, à banca e aos fregueses.

Não passou muito tempo até que a sua irmã passou por ali.
- Que bom que estás aqui! – disse prontamente Diana, assim que a viu.
- Vim entregar uma encomenda aqui perto e antes de voltar para casa lembrei-me de ti e pensei que podia passar pela praça!
- Os deuses ouviram-me, pois precisava mesmo de ti aqui. Preciso de me ausentar um pouco. Não me demoro. Ficas aqui por mim?
- Não devo demorar-me. Tenho outra encomenda para entregar no caminho.
Dália, irmã de Diana, ajudava seu pai a trabalhar o couro e a fazer a entrega das encomendas.
- Vá lá! É só um pouco. Não demoro!... – insistia Diana.
- Onde vais?
- Preciso encontrar uma pessoa. Não demoro. Obrigada! És uma enviada dos deuses! – disse sem demora, afastando-se rapidamente.
- Não te demores! – ainda pediu Dália sorrindo.
Diana desapareceu por entre os aldeões.

Rafael deveria ter já voltado a Quebir, mas uma parte de si queria ficar mais tempo pela vila. Queria saber mais sobre a portadora da magia do dragão da lua, a mulher com quem o seu destino se cruzava. Consigo tinha crescido a ideia de que um dia se cruzaria com o dragão da lua e travaria uma luta da qual sairia vencedor. Desde miúdo sonhava com o dia em que o encontraria, matando o portador do dragão e domando-o, realizando o destino que lhe tinha sido profetizado: a unificação do poder dos dois dragões. No entanto, nos seus devaneios de criança, nunca tinha imaginado que este seria uma mulher. Crescia sabendo que a família que guardava este poder já não existia, mas pelo simples facto do seu destino mágico não ter mudado, sonhava que de alguma forma o dragão da lua voltaria ao Reino dos homens. A impaciência da adolescência trouxera-lhe finalmente a certeza de que isso não aconteceria e durante muito tempo se sentiu revoltado com os Deuses por não lhe darem a oportunidade de realizar o seu destino mágico. Para quê ter um se não havia possibilidade de o realizar? Não fazia qualquer sentido. Até ao dia em que encontrou Diana e viu a sua “marca”.

De um momento para o outro, os Deuses decidiram agraciá-lo, pensava, mas de uma forma tortuosa. Não pelo facto do seu portador ser uma mulher, mas por ser alguém que poderia comparar a uma criança em matéria de magia. Ela nada sabia sobre o seu próprio dragão! Nada sabia sobre a magia que lhe corria no sangue! Ele procurava sempre justificar os seus actos com um propósito maior e fazê-lo apenas porque era o seu destino não lhe parecia agora algo de tão grandioso. Se fosse um dos que haviam sido portadores daquele poder no passado, parecia-lhe ter razões de sobra para poupar o mundo de tal perfídia. Mas, mesmo sem conhecer Diana, dela sentia luz e não a sombra. E apesar de ter virado costas a qualquer destino que lhe tivesse sido imposto pelos Deuses, era difícil esquecer todo o seu investimento para aquele momento. Não podia apenas olhar para o lado e seguir em frente... não sem saber um pouco mais sobre a tortuosa jogada dos Deuses.

Quando Rafael viu Diana ao longe, afastando-se da venda de fruta, onde deixara outra jovem no seu lugar, decidiu segui-la. Conheceria um pouco mais sobre a rapariga. Sabia que se fosse simplesmente ter com ela, a história dos dragões lhe seria cobrada e não tinha a mínima vontade de lhe falar sobre isso. Não naquele momento. Sabia também que ela sentiria o seu dragão assim que se aproximasse um pouco mais, mas estava demasiada gente na praça para não o fazer. Decidiu, por isso, segui-la pelos telhados. Dessa forma ela não o veria. Subiu agilmente pelos apoios do telhado de uma casa próxima, numa rua lateral. Com rapidez chegou lá acima sem ser visto. Decidiu aproximar-se um pouco mais e focar a sua atenção nos seus pensamentos. Tal como esperava, apanhou-a desprevenida.
«Preciso encontrá-lo. Preciso contar-lhe!»
Ficou atento. A quem se referiria?
«Onde será que posso encontrar Rafael?»

Procurava-o? Continuou a segui-la, atento. Acabou por aproximar-se um pouco mais.
Diana sentiu a sua pele latejar sob o dragão. Olhou em volta. Sentia que ele estava por perto, mas não o encontrava com o olhar. Rafael apercebeu-se. Ele também sentia o seu dragão.
«Procuras por mim?» - ele arriscou.
Diana voltou a cabeça rapidamente, mas não o viu. Olhou em volta. Sentiu-se confusa. Quase podia jurar que o tinha ouvido bem perto de si!
«Ouviste bem, sou eu!»

Ela assustou-se! Tinha a certeza que o ouvira, mas continuava sem o ver. Agora recuava, olhando em volta, assustada.
- O que se passa? Onde estás?
Algumas pessoas que passavam perto olhavam-na de soslaio e seguiam caminho, afastando-se.
«Perto. Bem perto!»
Ela virou-se de novo. Nenhum rosto conhecido em volta. Recuava. Pensava que ou enlouquecia ou aquilo era fruto de magia e nenhuma das opções lhe agradava ou sossegava nem um pouco.
- Ei! Cuidado! Olha para onde segues! – refilou um aldeão em quem tinha esbarrado ao recuar.

Diana esboçou um gesto de desculpas, mas continuava em sobressalto, virando-se, olhando a toda a volta. Rafael achou que deveria terminar a brincadeira. Parecia-lhe que a qualquer instante ela dispararia dali a correr.

«Na tua mente. Tem calma! Procuravas-me?» 

Cada vez mais assustada, soou um grito interno e começou a afastar-se, voltando, em direcção à praça. Subitamente, a mente de Rafael tinha ficado turva, uma neblina negra surgia e queria instalar-se. Ele cambaleou, pousou a mão no telhado onde se encontrava. Lutando contra a inconsciência que forçava caminho, procurou aproximar-se da beira e descer, mas ainda estava um pouco longe. De novo o negrume invadindo a sua mente, deixando de ver, e uma vez mais vislumbrando a luz em volta, lutando contra o apagão que ameaçava acontecer a qualquer instante. Cambaleou de novo e, escorregando, chegou próximo da beira do telhado. Conseguia forçar a consciência do mundo em volta apenas por breves instantes de cada vez, por entre aquela neblina que se adensava cada vez mais. Viu uma carroça com feno um pouco mais à frente, só tinha de conseguir lá chegar e cairia em segurança. Continuou a lutar. Já na direcção da carroça, deixou-se cair, encurtando a distância entre si e o chão. Da carroça caiu, desta vez, para o chão e cambaleando tentou aproximar-se da rua principal.


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