Selénia olhou
Diana em silêncio e fez um gesto com a sua cabeça em concordância. Ela
levantou-se para pegar numa tigela de cima da mesa e verteu um pouco do líquido
onde as ervas ferviam ao lume. Voltou a sentar-se, levantou um pouco a tigela à
sua frente e disse:
«Da Lua à
terra,
da terra às
raízes,
das raízes à
planta,
da planta ao
fruto
do fruto ao sumo
possam o Deus e a Deusa
consagrar e abençoar o conteúdo desta taça.
Que assim seja!»
Olhou então Diana,
entregando-lhe a taça.
- Bebe.
- Uma poção para permitir a
Visão?
- Não, mas conforta
a alma, ajudando a lidar melhor com o que quer que a Visão te possa trazer.
Bebe.
Diana levou a taça à boca,
bebericando um pouco da mistura quente.
Após alguns
tragos, Selénia pediu-lhe para fechar os olhos. Diana pousou a taça ao seu lado
e fez como ela lhe pediu. Depois a voz de Selénia surgiu no ar, suave e
pausadamente.
- Sente o
chão debaixo dos teus pés... Deixa que o cheiro das ervas percorra o teu ser,
inspirando-o... Ouve o som das achas crepitando no lume... Sente o líquido que
bebeste aquecer-te as entranhas...
Diana
procurava seguir cada uma das suas palavras, fazendo o que lhe pedia,
entregando a sua atenção aos seus sentidos.
- A Terra, o
Ar, o Fogo, a Água, regressa, regressa, regressa. Que a Deusa te conceda a
Visão e que os teus antepassados o permitam. A Terra, o Ar, o Fogo, a Água,
regressa, regressa, regressa. Que a magia que carregas se manifeste e te mostre
quem tu és!
Os elementos
pareciam bailar diante dos olhos da sua mente. As palavras de Selénia
continuaram, mas Diana ouvia-as cada vez mais longe. Viu o rosto da sua mãe, que
rapidamente se desvaneceu. Voltou a ouvir as palavras de Selénia. Sentiu-se,
então, num outro lugar, numa casa onde se encontravam mais pessoas. Rapidamente
a presença de Selénia deu lugar à de sua mãe e a imagens que já conhecia. Viu
sua mãe dizer-lhe que teriam de afastar-se por uns tempos. Viu-a colocar o
dragão no braço da pequena Diana. Viu-a sorrir perante o divertimento da
pequena com o dragão e a sua lua, embora de uma forma triste.
Uma mulher aproxima-se
então de ambas.
- Alba
chegou, senhora.
- Pede-lhe
para entrar, Ilena.
Passado
poucos minutos, outra mulher entra no quarto onde se encontravam. Diana
reconheceu nela a sua mãe de criação.
- Alba!
- Senhora!
Tendes a certeza que é o momento?
- Algo me diz
que não devo adiá-lo. Leva a pequena Diana e cuida dela. Espero encontrar-vos
em breve. Se alguma coisa nos acontecer, procura Belchior, ele deverá cuidar da
sua educação. Será o único que a poderá colocar no seu caminho, deverá
orientá-la no estudo da Arte!
- Como
encontrarei o guardião se ele se encontra desaparecido?
Neusa sorri,
mostrando-se confiante.
- Confio em
ti. Sei que darás o teu melhor no que te peço. Agora vai! Que a Deusa vos
proteja!
Neusa beija
carinhosamente a pequena Diana e apressa a saída de ambas.
- É urgente!
Vai! Irei ao vosso encontro assim que puder!
Alba sai da
sala com a pequena pela mão.
Diana
reconhece a imagem e, nesse instante, instala-se uma neblina que não lhe
permite ver nada mais. Ela sente que há mais por detrás dessa neblina e faz um
esforço para rasgá-la, mas não consegue. Sente frustração por senti-lo e não
conseguir e, subitamente, sente um sufoco como se emergisse à superfície de um
lago e lutasse para recuperar o fôlego.
Ao abrir os
olhos, vê Selénia junto a si. Esta aguarda em silêncio que Diana se recomponha.
Após alguns
momentos, Diana mostra uma expressão próxima de desespero e Selénia oferece-lhe
a beber mais um pouco da taça. Diana não tem vontade, mas faz um esforço.
- A Visão não
mostra o que queremos, mas o que precisamos saber no momento.
- Mas eu
preciso de mais! Havia mais, podia senti-lo, mas não consegui!… Mostrou-me
apenas o que já conhecia!
- Tens a
certeza que já conhecias tudo o que te mostrou? – perguntou Selénia com um leve
sorriso nos lábios.
- Quase tudo,
sim.
- Quase tudo…
Pois esse quase pode ser precisamente aquilo que precisas saber neste momento.
- Compreendo,
mas… preciso de saber mais! Podeis
invocar novamente a Visão?
- Não. – respondeu ela
prontamente. – Nada de novo te iria mostrar.
- Mas…
- Confia na Deusa! Confia na
magia que faz parte de ti e quem tu és!
- Parte de quem sou… Não sei
quem sou… não conheço essa magia…!
- Confia. O conhecimento
ser-te-á revelado no momento certo!
- Essa magia nunca se revelou até
há pouco tempo!
- Mas revelou-se, verdade?
- Penso que sim! Têm acontecido
coisas que me são estranhas.
- Revelou-se
porque o momento chegou. Significa que estás pronta ou que a oportunidade
surgiu.
- Começou a
revelar-se quando conheci alguém. – contou hesitante – Desde então os
acontecimentos têm-se sucedido uns aos outros.
- E esse alguém partilha da tua
magia?
- Parece que sim. Temos uma
marca parecida… Como sabeis?
- Mostra-me essa marca. – pediu
Selénia.
Diana descobriu o antebraço e a
expressão de Selénia alterou-se.
- O que necessitares saber irá
ser-te revelado. Confia.
E Selénia afastou-se, começando
a mexer nas ervas sobre a bancada.
- Sabeis dizer-me algo sobre
esta marca? Esta magia?
- Apenas sei
que a energia do Dragão caminha no Reino dos homens com um propósito
específico. Nada mais te saberei contar. Dizes que essa pessoa que conheceste
tem uma marca parecida?
- Sim. Ele disse-me que esta é a
marca do dragão da lua e ele tem a marca do dragão do sol.
Selénia parara de colocar ordem
na sua bancada, virando-se para olhar Diana.
- Sabeis algo mais sobre o que
conto? – perguntou Diana ao notá-lo.
- Não… não! –
respondeu Selénia sorrindo. – Apenas se me oferece dizer-te que a Deusa tem,
por vezes, estranhas formas de nos mostrar o caminho e nos dar a conhecer o
nosso destino.
- O destino…
Ele disse-me que esta marca significa que tenho um destino mágico.
- E disse-te algo sobre esse destino?
- Não sabe qual
é e também não me contou o seu… nem sei bem o que poderá ser um destino mágico!
– acabou por dizer quase que envergonhada por sentir que devia sabê-lo.
- Algo que
terás de concretizar pela magia que carregas…
Diana
encolheu os ombros.
- Talvez!
- Parece que
foi o encontro com essa pessoa que despertou a magia em ti!
- Sim. A
partir de então tudo tem acontecido!
- E
continuará a acontecer, Diana! Tens em ti a força para enfrentar todas as
dificuldades que vêm pela frente. Confia!
- Dificuldades?
- Tudo o que
a magia te mostrar e que te é desconhecido!...
- Gostaria de
ter quem me orientasse nesta… - Diana recorda o que a Visão lhe mostrou. Que a
sua mãe pedira a Alba que fosse Belchior a orientá-la no estudo da Arte. Um
guardião?!
- O que foi?
– perguntou Selénia surpreendida pelo súbito silêncio.
- Preciso de
encontrar um guardião chamado
Belchior! Diz-vos algo?
Diana não
conseguia descortinar nada no rosto de Selénia, mas estranhava o seu silêncio.
- Guardião?!
– acabou esta por perguntar.
- Ou
considerado como tal, não sei. Apenas sei que se chama Belchior…
- Quem é esse
guardião?
- Alguém que
a minha mãe queria que orientasse a minha educação e estudo da Arte! Ele deve
saber tudo sobre esta magia! Preciso saber quem é, encontrá-lo!
Selénia
ponderava o que dizer.
- Essa é a informação que a Visão te mostrou e que não conhecias? –
acabou por perguntar.
- Sim. Soube que a minha mãe de sangue queria que um guardião de
nome Belchior me ajudasse a encontrar o meu caminho, me orientando no estudo da
Arte... Soube que este se encontrava desaparecido de alguma forma. O resto... -
Diana olhara para Selénia antes de continuar - já conhecia.
- Podes contar-mo?
- Em parte foi-me mostrado num sonho... Vi como recebi esta marca
da minha mãe, num momento em que ela sentia que corríamos perigo... Vi-a pedir
à minha mãe de criação que me levasse para que eu e o dragão ficássemos a
salvo, pedindo-lhe que cuidasse de mim e que, se algo lhes acontecesse,
cuidasse que a minha educação fosse orientada por este guardião. Alba receava
não conseguir encontrá-lo e não deve tê-lo conseguido!...
Selénia permanecia em silêncio, como que avaliando tudo aquilo.
Diana não a conhecia, mas sentia que podia confiar naquela mulher. Parecia-lhe,
no entanto, que ela pensava em algo que não queria partilhar.
- E o que aconteceu à tua família?
- É o que procuro saber. Apenas sei que morreram num incêndio...
Nada mais sei sobre eles, a magia ou o dragão!
O olhar de Diana apelava a Selénia por alguma ajuda.
- Confio que saberás mais quando estiveres preparada para tal.
- E como posso preparar-me? Terei de esperar muito por esse
momento?
- Compreendo a tua angústia, mas não tenho resposta para essas
perguntas! - respondeu afagando-lhe o rosto com a sua mão direita.
Diana pousava os olhos no chão, de sobrolho franzido. Ela queria
respostas. Continuaria a procurá-las. Ainda assim, sentia algum conforto por
poder compartilhar as suas dúvidas e a sua história com Selénia.
- Confio que não terás de esperar muito...
- Que assim seja!...
- E essa pessoa que conheceste... Não sabe contar-te mais sobre a
tua magia e o dragão?
- Se o conseguisse encontrar...! Ele não quis contar-mo no
momento, corria para qualquer lado... E ainda não consegui voltar a
perguntar-lhe... Ele disse que a história dos nossos dragões se cruzava, pelo
que percebi, de alguma forma menos feliz, pois ele disse não saber se poderia
confiar em mim!...
- Porquê?
- Não sei! - responde Diana, encolhendo os ombros - Falou-me
apenas nas suas energias opostas...
- Não são opostas, mas diferentes. Complementam-se.
- Foi o que lhe disse! Falei-lhe nos deuses...
- E ele, o que respondeu? -Selénia quis saber.
- Disse-me que a história dos nossos dragões era diferente! Mas
não pareceu ter grande vontade de a contar. De facto, se não confia em mim e
não tem vontade de contar o que quer que seja, é bem provável que nem o volte a
ver; ele nem é daqui!
- E tu confias nesse homem e no que conta?
- Não sei o que pensar!...
- Pergunto-te o que sentes!
- Embora os meus pensamentos me provem que não posso confiar nele,
sinto algo completamente diferente! - Diana olhava Selénia como que procurando
um sinal que lhe indicasse se seria seguro fazê-lo, mas nada conseguia
descortinar.
- O que sentes?
- Que ele é de confiança...
- E porque pensas que assim não é?
- Porque ele usa a magia...
Selénia levantou o sobrolho.
- Se tu soubesses como, não a usarias?
- ... Talvez... Mas ele diz que os nossos dragões se querem matar
um ao outro! Algo que terá a ver com a história que não me contou.
- E o que te parece?
- Não sei!... Mas... a Visão mostrou-me uma imagem que já tinha
surgido nos meus pensamentos quando aproximei o meu dragão do dele...
Selénia permanecia em silêncio e Diana continuou.
- A imagem dos dois dragões, um ao contrário do outro, completando
um círculo... Será que significa que se perseguem um ao outro em círculos?
- Foi o que te pareceu?
- No momento não... - Diana baixou os olhos, corando levemente ao
recordar a imagem que viu a seguir a essa naquele dia com Rafael, mas preferiu
não a partilhar com Selénia. O que pensaria ela de si? Pelo sim pelo não correu a cortina! - Pareceram-me,
simplesmente, complementar-se e fecharem o círculo!
Selénia sorriu. Diana não percebera porquê, mas não queria
perguntar o motivo, não fora ela perceber algo mais.
- Parece-me que descobrirás o teu destino mágico em breve. - dizia
Selénia.
As perguntas amontoavam-se na sua mente e Selénia, como se o
percebesse, continuou.
- Não sei o quê, como, nem quando... Apenas o sinto. Confia no que
tu sentes! Confia no que a magia te mostra. Ela continua a revelar-se para ti!
Diana esboçou um sorriso vago, agradecendo-lhe as palavras.
- Gostaria que conversasses comigo de vez em quando. Que me
contasses como vais descobrindo a magia que há em ti! Será que poderias...?
- Claro! Muito me agrada sabê-lo, pois não vos pediria... Preciso
de falar com quem conheça a Arte, como vós, a Senhora do Bosque...
- Selénia, por favor!...
- Não sei como agradecer-vos! Não imaginais como é importante para
mim...
Selénia sorriu.
- Pareces-me ser uma boa rapariga e a tua energia é-me de alguma
forma familiar. Fico contente por poder ajudar.
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